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domingo, 3 de junho de 2012

RAÍZES DO RITUAL UMBANDISTA

Texto abaixo retirado do livro Iniciação à Umbanda, editora Madras, Autores Diamantino F. Trindade, Ronaldo Linares e outro, página 29,30,31.
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" Quando Ronaldo Linares efetuou os primeiros contatos com Zélio de Moraes, indagou sobre a origem do ritual umbandista e ele fez os seguintes esclarecimentos: o rito nasceu naturalmente como consequência, principalmente, da presença do índio e do elemento negro. Não tanto pela presença física do negro, mas sim pela presença do Preto-Velho incorporado. Para ser mais preciso, no mesmo dia da primeira sessão, em 16 de novembro de 1908, pela primeira vez Zélio incorporou Pai Antônio. O Caboclo das Sete Encruzilhadas havia avisado que subiria para dar passagem a outra entidade que desejava se manifestar.

Assim, manifestou-se no corpo de Zélio o espírito do velho ex-escravo que parecia sentir pouco à vontade frente a tanta gente e que, recusando-se a permanecer na mesa onde ocorrera a incorporação procurava passar despercebido, humilde, curvado, o que dava ao jovem Zélio um aspecto estranho, quase irreal. Essa entidade parecia tão pouco descontraída que logo despertou um profundo sentimento de compaixão e de solidariedade entre os presentes. Perguntado, então, por que não se sentava à mesa com os demais irmãos encarnados, respondeu: Nego num senta não meu sinhô, nego fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco i nego deve arrespeitá...

Era a primeira manifestação desse espírito iluminado, mas a morte que não retoca seu escolhido,mudando-o para o bem ou para o mal, não hava afastado desse injustiçado o medo que ele, tantas vezes, sentiu ante a prepotência do branco escravagista e, ante a insistência dos seus interlocutores, disse: Num carece preocupá não, nego fica no toco que é lugá di nego... Procurava, assim, demonstrar que se contentava em ocupar um lugar mais singelo, para não melindrar qualquer um dos presentes.

Indagado sobre o seu nome, disse que era "Tonho", um preto escravo que na senzala era chamado Pai Antônio. Surgiu, assim, a forma de chamar os Pretos-velhos de Pai.

(...) Sensibilizado com tanta humildade, alguém lhe perguntou respeitosamente "Vovô, o senhor tem saudade de alguma coisa que deixou ficar na Terra? E este respondeu: Minha cachimba, nego, qué o pito que deixou no toco... Manda muréque buscá. Grande espanto tomou conta dos presentes. Era a primeira vez que um espírito pedia alguma coisa de material, e a surpresa foi logo substituída pelo desejo de atender ao pedido do velhinho. Mas ninguém tinha um cachimbo para lhe ceder.

Na reunião seguinte, muitos pensaram no pedido e uma porção de cachimbos dos mais diferentes tipos apareceu nas mãos dos frequentadores da casa, incluindo alguns médiuns que haviam sido afastados de centros kardecistas, justamente porque haviam permitido a incorporação de índios, pobre ou pretos como aquele e que, solidários, buscavam na nova casa, a Tenda Nossa Senhora da Piedade, a oportunidade que lhes fora negada em seus centros de origem. A alegria do velhinho em poder pitar novamente o seu cachimbo logo seria repetida, quando os outros médiuns já mencionados também passaram livremente a permitir a presença de seus Caboclos, de seus Pretos-Velhos e demais entidades consideradas não doutas pelos kardecistas de então, pobres tolos preconceituosos que confundiam cultura com bondade.

Desse fato surgiu um ponto de Preto-Velho muito cantado nos terreiros de Umbanda:

Minha cachimba tá no toco
Manda muréque buscá
Minha cachimba tá no toco
Manda muréque buscá
No alto da derrubada
Minha cachimba ficou lá
No alto da derrubada
Minha cachimba ficou lá

Um outro ponto de Pai Antônio mostra o seu poder de cura:

Dá licença, Pai Antônio
Que eu não vim lhe visitar...
Eu estou muito doente
Vim pra você me curar
Se a doença for feitiço
Pula lá em seu congá
Se a doença for de Deus
Pai Antônio vai curar!
Coitado de Pai Antônio
Preto-Velho curador
Foi parar na detenção
Por não ter um defensor
Pai Antônio é Kimbanda
É curador!
É Pai de mesa
É curador
Pai Antônio é Kimbanda
É curador!"
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Tá aí uma parte importante de nossa história.

Repetirei o vídeo Defesa de Alabê da Ópera O Alabê de Jerusalém  de Altay Veloso, que já dá a mensagem por si só.

Fraternalmente